Meias Verdades

Crescimento do PIB
é festival de equívocos

DANIEL LIMA - 01/04/2003

  •  Em 26 de novembro de 2000, a Folha de S. Paulo publicou a seguinte manchete de Economia: “País não deve crescer mais do que 4% no ano que vem”.
  •  Em 13 de fevereiro do ano seguinte, 2001, o jornal Valor Econômico publicou também em manchete: “Economia mantém crescimento e PIB tem alta de 4,5%, prevê Ipea”.
  •  Em 28 de março de 2001, a Folha de S. Paulo saiu-se com a seguinte manchete: “Economia crescerá pelo menos 4,2% no ano, afirma Malan”.

Alguns trechos da matéria de 26 de novembro:


O Brasil termina este século e começa o outro com tempo bom na economia. Mas há indícios de que o País poderá enfrentar novas chuvas e trovoadas devido a pressões internas, além das externas. Há previsões bem menos otimistas em relação à expansão do País. Economistas que estimavam crescimento de 4% do PIB (Produto Interno Bruto) para este ano já falam em 3,6%. Quem esperava 4,5% para o ano que vem já cogita 4%. O juro real pago pelas empresas subiu nos últimos meses e a massa salarial do trabalhador, apesar de estar em recuperação, ainda é a mesma de um ano atrás.


A previsão não é a de uma tempestade devastadora, como o País enfrentou nos últimos três anos, como consequência das crises asiática e russa e da desvalorização do real. Mas de um tempo instável, que pode brecar a expansão de alguns setores e ter impacto negativo na economia.


Alguns trechos da matéria de 13 de fevereiro:


A economia brasileira deverá continuar seu ciclo de crescimento este ano, com um Produto Interno Bruto (PIB) apresentando uma expansão de 4,6% , projeta o Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea) em seu Boletim de Conjuntura de janeiro. O setor agropecuário deve liderar com expansão de 7,6%, a indústria deve aumentar 5,6% e o setor de serviços 3,1%.


O aumento da atividade econômica estará ancorado nos investimentos que poderão crescer 5,5% este ano, ante 2,2% no ano passado, enquanto o consumo continuará com taxa positiva de 4%, ante 5,5% em 2000.


Para Paulo Levy, economista do Ipea responsável pelo Grupo de Análise Conjuntural, os riscos que corre a economia brasileira este ano vêm do Norte, como a desaceleração nos Estados Unidos, que poderá afetar as exportações brasileiras e retrair o crédito para o Brasil.


Trechos da matéria de 28 de março:


O ministro da Fazenda, Pedro Malan, afirmou ontem que a economia brasileira crescerá pelo menos 4,2% neste ano. “Nós crescemos 4,2% no ano passado. Este ano será pelo menos igual a isso”, afirmou o ministro aos jornalistas brasileiros, após proferir uma palestra em Londres.


Anteriormente o ministro Malan fizera projeção de alta de 4,5% para o desempenho da economia neste ano. Esse percentual já havia sido estimado pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga. “Não é o meu estilo tentar adivinhar qual é o número que vem na casa depois da vírgula, isso é irrelevante. Há sinais claros de crescimento na economia brasileira, no agronegócio, na indústria, no serviço e no emprego”, ponderou o ministro da Fazenda.


Durante sua palestra no seminário “Integração da América do Sul”, no London Hilton Hotel, Malan disse que a economia do País cresce com bases sólidas e que há espaço para investimentos estrangeiros.


Aproxima-se da cartomancia o exercício anual de projetar o comportamento do PIB. Os interesses na propagação de mensagens geralmente positivistas estão conectados a objetivos estratégicos invariavelmente omitidos. Em encontros internacionais, como foi o caso protagonizado por Pedro Malan, era e sempre será importante vender um Brasil cor-de-rosa. Em encontros domésticos, pesa o politicamente correto.


O desempenho da economia brasileira em 2001 foi muito aquém das pregações de executivos do governo e mesmo do mercado financeiro e consultorias de investimentos, também ávidos por vender ilusões. Juros altos, crise de energia, recessão mundial e o chamado efeito Argentina já prenunciavam para o crescimento de apenas 1,51% do PIB, ou 0,20% do PIB per capita, em 2001.


Não fosse o campeonato nacional de palpitologia sobre o PIB uma prática quase tão antiga quanto o capitalismo, não haveria tanta complacência no tratamento do assunto. Dá-se ao tema uma tão generosa quanto problemática conotação de marketing econômico, utilizando-se ferramental geralmente incompleto. Afinal, como se pode conceber que especialistas em rastrear o comportamento da economia nacional não dimensionem — e com isso se acautelem — os movimentos que vão muito além de aspectos exclusivamente macroeconômicos?


Sim, porque a crise anunciada da Argentina, a recessão norte-americana, a perigosíssima política de improvisos e equívocos no setor energético, uma dívida pública em aspiral que exige juros cada vez mais elevados e a vulnerabilidade do País no mundo globalizado — porque se tornou refém do sistema financeiro internacional — não são ponderáveis acidentais como a derrubada das torres gêmeas que, também, influenciaram os números do PIB.


A complexidade da planilha que mapeia os pontos sobre os quais se contabilizarão as variáveis do Produto Interno Bruto e os aspectos intangíveis que ultrapassam os limites da simples adivinhação para se instalar numa área mais nobre do detalhamento analítico tornam-se fatais para afetar o prestígio de gente qualificada.


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